Após mais de uma década criando histórias de adolescentes envolvidos em aventuras sobrenaturais em uma Tóquio fictícia, a santíssima trindade da Atlus — Katsura Hashino, Shigenori Soejima e Shoji Meguro — decidiu explorar novos horizontes com uma aventura de fantasia ambientada em uma era medieval, intitulada Metaphor: ReFantazio.
Com lançamento previsto para o dia 11 de outubro de 2024 para PS5/ PS4, Xbox Series e PC, o mais recente estúdio da Atlus, Studio Zero, encarou um grande desafio: criar um produto autêntico e familiar aos fãs dos títulos anteriores da empresa, mas também capaz de oferecer algo novo para conquistar um novo público.
Após várias apresentações em eventos, trailers e demonstrações, e com mais de 90 horas imersas nesse universo inédito em que a Atlus está apostando, posso afirmar que Metaphor: ReFantazio é o ápice criativo da Atlus ao longo dos seus 35 anos de história, sempre entregando RPGs de qualidade.
Embora a comparação com a franquia Persona seja inevitável, o mais recente RPG da Atlus vai além: é, de fato, um Persona medieval, mas com muito mais a oferecer.
A História
Se há um aspecto em que Metaphor: ReFantazio se distancia da franquia Persona, é em sua narrativa. Diferente dos trabalhos anteriores de Katsura Hashino, sua nova criação apresenta uma história mais madura, ambientada em uma temática medieval. Abordando temas como regicídio, preconceito, diversidade social e religião, Metaphor: ReFantazio traz um amadurecimento narrativo, não hesitando em tecer críticas contemporâneas dentro de um contexto fantasioso. Se você é fã de temáticas medievais e fantasia, será agraciado com uma trama envolvente e repleta de reviravoltas que me deixaram boquiaberto em frente à TV.
Para complementar todo esse potencial narrativo, a trilha sonora é uma verdadeira explosão épica. Diferente das trilhas sonoras que amamos em Persona, com sua fusão de rock e pop, agora você será presenteado com composições baseadas na grandiosidade da ópera, onde sopranos poderosos e tenores estrondosos ganham destaque. Toda essa trilha épica é fruto do trabalho brilhante de Shoji Meguro, que mais uma vez nos oferece uma experiência sonora grandiosa e digna do épico.
Em Metaphor: ReFantazio, assumimos o controle de um Elda, uma das raças pertencentes às oito tribos do Reino Unido de Euchronia. A história começa com o assassinato do rei de Euchronia e a maldição que aflige seu jovem filho, o herdeiro ao trono, mergulhando-o em um sono profundo. Sem um sucessor claro, o rei, mesmo após sua morte, decreta por meio de sua magia que o próximo governante será aquele eleito pelo povo. Para isso, são criadas provas de popularidade. Em meio a essa crise, o protagonista, cuja missão era infiltrar-se e eliminar o assassino do rei na esperança de desfazer a maldição do príncipe, embarca em uma jornada ao lado de membros de outras tribos — o que a leva a se candidatar ao trono de Euchronia.
Apesar do protagonismo recair sobre um jovem, assim como em Persona, desta vez há uma profundidade maior nas histórias secundárias dos outros personagens. O mundo de Euchronia é tão cruel quanto o nosso, com eventos terríveis como a perda de um filho, a busca por redenção de uma guerreira, uma jovem que luta para superar o luto por seu pai, ou uma mãe que teve seu filho morto por uma babá. A evolução e o amadurecimento de Katsura Hashino em Metaphor: ReFantazio são impressionantes. Embora Persona já tenha abordado temas pesados como suicídio e assédio, desta vez não há filtros que atenuem a gravidade dos temas explorados. Metaphor: ReFantazio oferece uma abordagem mais adulta e direta, um sinal do que podemos esperar do Studio Zero daqui em diante.
Rápido e Tático
A Atlus se tornou amplamente conhecida por seu excelente e incontestável trabalho no sistema de combate por turnos. Shin Megami Tensei e Persona estabeleceram padrões que influenciaram grandes títulos que adotaram esse estilo de combate. Persona 5 foi o ápice desse conceito, tornando o combate por turnos algo dinâmico e natural.
No entanto, o Studio Zero, juntamente com sua talentosa equipe — em grande parte oriunda do P-Studio (o estúdio responsável pela franquia Persona) — trouxe uma nova abordagem ao sistema de combate por turnos: o “Fast & Squad”. Esse novo estilo mescla o combate em tempo real com o já tradicional combate por turnos da Atlus. Mas como isso funciona na prática?
O combate rápido serve para derrotar inimigos de nível inferior ao do jogador de forma ágil, enquanto atordoar inimigos do mesmo nível ou superior concede vantagem ao iniciar o combate por turnos, permitindo infligir mais dano. Essa dinâmica de atordoamento torna o combate por turnos mais fluido, pois em determinadas situações, os inimigos são eliminados com maior rapidez.
Durante o combate por turnos, a interface remete à da franquia Persona, com botões para usar os poderes dos Arquétipos (equivalentes às Personas no universo de Metaphor: ReFantazio), realizar ataques físicos, utilizar itens, defender-se, e uma novidade: a opção de reiniciar a batalha caso o jogador perceba que errou na estratégia ou esteja prestes a perder. Além disso, os personagens ganham experiência (XP) para evoluir seus atributos, que são baseados em Força, Magia, Resistência, Agilidade e Sorte.
Essas evoluções contribuem para uma progressão mais fluida e prática, especialmente nas masmorras, que são centrais no jogo. A exploração dessas áreas repletas de inimigos não se torna cansativa ou tediosa graças ao sistema Fast & Squad, que facilita a exploração e o “farm”.
Em resumo, esse sistema de combate veio para ficar e tem o potencial de se tornar uma grande tendência dentro da Atlus para seus próximos jogos, e quem sabe, dentro do próprio gênero de RPG por turnos.
Arquétipos que parecem mais personas medievais
Você pode até pensar que Metaphor: ReFantazio é um Persona-like, e não estaria errado ao pensar assim, já que o mais novo RPG da Atlus herdou muitos conceitos da franquia Persona. No entanto, Metaphor soube expandir e evoluir esses conceitos. Assim como o sistema “Fast & Squad”, os Arquétipos são uma espécie de Personas, mas com mais profundidade e variações. Em Persona, há uma quantidade absurda de Personas que você pode adquirir e fundir para criar novas combinações e herdar poderes. Com os Arquétipos de Metaphor, embora não havendo a possibilidade de fusão, há a possibilidade de herdar técnicas de outros Arquétipos, e mesmo que o número de Arquétipos não chegue perto da quantidade de personas que Persona 5 oferece — um total de 259 —, Metaphor inova com algo inedito.
O jogo oferece mais de 40 tipos de Arquétipos e 15 classes diferentes, proporcionando uma versatilidade maior durante as batalhas. Diferente de Persona, em Metaphor você pode alterar os Arquétipos entre os membros do grupo, o que abre um leque de abordagens e builds para cada tipo de combate. Durante a jornada, você enfrentará muitos inimigos cujas fraquezas são desconhecidas, e, à primeira vista, os Arquétipos que seu grupo está usando podem não ser eficazes. Assim, a possibilidade de trocar os Arquétipos entre os personagens torna-se uma alternativa eficaz para enfrentar esses desafios. Cada confronto em Metaphor: ReFantazio é único, e as batalhas exigem que você adapte constantemente sua estratégia. O jogo quer que você explore essa flexibilidade durante os combates.
À medida que você avança na história, mais Arquétipos serão desbloqueados por meio dos “Seguidores” — o equivalente ao sistema de Social Links da franquia Persona. À medida que você aumenta o Rank desses “Seguidores”, novas habilidades são desbloqueadas para os Arquétipos, assim como novos Arquétipos da mesma linhagem.
Portanto, embora os arquétipos possam parecer uma cópia dos personas, há muito mais a ser explorado em sua abordagem no combate. Seja na forma como você pode herdar técnicas de outros Arquétipos ou na maneira de adaptá-los para cada batalha, tudo isso contribui para um combate por turnos ainda mais estratégico e desafiador.
As maravilhas medievais são mais interessantes que o dia a dia em Tóquio
Quem gostou de explorar uma Tóquio fictícia em Persona não está preparado para a imersão que Metaphor: ReFantazio oferece, com suas paisagens e biomas distintos. Ao contrário de Persona, que foca em um único local, Metaphor é uma jornada criativa por diversas regiões e três grandes capitais: Grand Trad, Oceana e Altabury. Além dessas capitais, há pequenas regiões como Martira e várias masmorras associadas a esses locais. E não pense que esses lugares são sem vida ou vazios; cada um possui suas particularidades e histórias para contar.
Grand Trad, ou “a Grande Capital”, abriga as 8 tribos do Reino de Euchronia, mas a forma como recebe essas tribos reflete o valor que elas têm aos olhos da sociedade. Apesar de ser a capital, suas ruas são sujas, e a desigualdade social é evidente, espelhando as cidades e realidades do nosso mundo. Já Oceana é um grande ponto turístico, famoso por suas águas e pela pesca. Seu ambiente marítimo atrai muitos visitantes, e, diferente de Grand Trad, há mais tolerância com outras tribos. Altabury, por sua vez, destaca-se pelo seu clima extremamente frio, proporcionando uma ambientação diferente para a exploração.
Ao longo da jornada, você viajará por essas diversas regiões através de um simulador de dias, uma característica herdada da franquia Persona. Funciona assim: o jogo possui um calendário com um período específico de meses que representam o tempo de sua jornada. Nesse calendário, eventos importantes da história ocorrem em datas específicas. Até essas datas, você deverá realizar outras atividades, como missões secundárias, evoluir suas virtudes e fortalecer conexões com outros personagens.
Sua missão é conquistar a popularidade do povo de Euchronia, o que implica viajar pelos quatro cantos do reino, completando missões, fazendo contratos e aumentando suas virtudes a bordo de um “Trotador Couraçado”. Esses veículos bípedes, criações da tecnologia deste mundo, foram desenhados por ninguém menos que Ikuto Yamashita, designer de mechas de Neon Genesis Evangelion. Eles são responsáveis por sua locomoção fora das muralhas de Grand Trad. Ao longo das viagens, seja para outras cidades ou masmorras, que podem levar dias para alcançar o destino, você pode realizar atividades a bordo do veículo que ajudam a evoluir suas virtudes.
A ideia de um veículo que simula o trajeto em tempo real durante as viagens cria uma sensação de realismo e liberdade, permitindo que você conheça mais do vasto mundo de Metaphor. Durante essas viagens, você pode parar em diferentes locais e admirar paisagens belíssimas, cada uma mais impressionante que a outra. Embora não seja possível explorar todos esses locais, suas paisagens são como quadros em forma de pixels, servindo de pano de fundo magnífico para a sua jornada.
Resumidamente, Metaphor: ReFantazio também é sobre a liberdade de conhecer o desconhecido. O Studio Zero caprichou em apresentar uma variedade de biomas, masmorras, paisagens, culturas e tradições, criando uma jornada rica e envolvente.
A hegemonia de Persona chegou ao fim
Se há algo em que a Atlus se destaca de forma incomparável é no design de UI (Interface de Usuário). Essa tradição começou com Persona 3, em 2006, foi mantida em Persona 4 (2008), mas foi em Persona 5 (2016) que esse elemento tão importante para a Atlus atingiu seu ápice. Em Persona 5, a rebeldia e a luta contra o sistema refletiu na tela com cores vibrantes em vermelha, com o personagem Joker esboçando uma pose diferente em cada opção do menu de pausa. Poucos estúdios dedicam tanto tempo para impressionar e cativar os jogadores nas telas de menu.
O que parecia ser o “Santo Graal” da Atlus, repetido na UI de Persona 3 Reload (remake do jogo original de 2006, lançado este ano), ganhou novas formas — e me atrevo a dizer que superou Persona 5. Metaphor: ReFantazio é uma explosão de cores em suas telas de menu, representando a liberdade e a unificação de diferentes formas, criando algo único e encantador aos olhos. É impossível não se impressionar com o design gráfico da tela de pausa, que apresenta opções como equipamento, itens, arquétipos e outras. Cada uma dessas opções revela um novo visual gráfico, ainda mais impressionante e vibrante. Esse apelo visual se expande para as telas de carregamento, que trazem animações diferentes, dependendo da cidade em que você está. Tudo foi cuidadosamente criado com um incrível apelo visual, tornando impossível passar despercebido.
Se a UI de Metaphor: ReFantazio superou a de Persona 5, a direção de arte é outro aspecto de grande destaque. Com a ajuda do concept artist de Nier Automata, Kazuma Koda, as diversas masmorras do jogo possuem características e temáticas únicas. Cada local tem seu próprio bioma, com fauna e flora distintas, o que se reflete no design dessas masmorras. Não encontrei masmorras repetidas, sejam elas principais ou secundárias. O que se repete é a ambientação. Por exemplo: se há duas masmorras em uma região desértica, elas terão uma temática semelhante para justificar o bioma da área, mas o design e a estrutura são distintos.
O que também se diferencia são as criaturas desse mundo fantasioso. Diferente de Persona, Shin Megami Tensei e Soul Hackers, que compartilham inimigos, em Metaphor: ReFantazio tudo é original, com exceção da fada Gallica, uma inspiração na Pixie, que é um dos demônios da franquia Shin Megami Tensei e uma persona em em títulos da franquia Persona.
Sob a direção de Shigenori Soejima, designer de personagens de Persona 3, Persona 4 e Persona 5, as criaturas de Metaphor ganharam forma dentro da temática medieval e fantasiosa. Um dos grandes destaques são os “Humanos”. Sim, os “humanos” são criaturas aterrorizantes, com design inspirado nas obras do artista renascentista Hieronymus Bosch. Embora apareçam com pouca frequência — o que eu esperava ver mais —, suas aparições são intimidadoras e mostram uma criatividade impressionante. Entendo a pouca participação dos “humanos”, pois eles são inimigos difíceis de derrotar, e colocá-los em combates frequentes tornaria a experiência extremamente desafiadora, além de correr o risco de torná-los repetitivos.
Além dos “humanos”, há outras criaturas exóticas, como dragões e quimeras, que podem ser encontradas em masmorras ou contratos espalhados pelo jogo. A apresentação visual de Metaphor: ReFantazio é, sem dúvida, impressionante e marcante.
Ressalvas
Minha única ressalva em toda a minha experiência com Metaphor: ReFantazio é mais uma observação sobre o design do jogo, que pode ser ajustada futuramente. No jogo, após completar uma missão em uma cidade diferente daquela em que a história principal se encontra, você é automaticamente enviado de volta para a cidade onde a trama está progredindo. Por exemplo, há missões que quero concluir na primeira cidade do jogo. No entanto, depois de terminar uma missão, o jogo não permite que eu conclua as demais tarefas pendentes nessa cidade, pois sou imediatamente transportado para o local onde a progressão da história está.
Isso é um detalhe que incomoda, já que o jogo oferece a opção de teleporte para viajar de uma cidade a outra sem avançar no tempo. Para completar missões em outras cidades, sou obrigado a retornar à taberna da cidade atual, dormir, e só no dia seguinte, à tarde, posso voltar para a cidade onde quero terminar as missões restantes.
Esse vai-e-vem é frustrante e sem muito sentido, uma vez que o jogo deixa claro que, independentemente de voltar para a cidade principal ou dormir nas tavernas que desbloqueei em outras cidades, o tempo passará da mesma forma. Ter a possibilidade de dormir nas tavernas das cidades anteriores não tornaria o gerenciamento de dias do jogo menos desafiador.
Por fim, joguei no PC e notei alguns problemas técnicos, como serrilhados perceptíveis e quedas de FPS em locais com grande quantidade de personagens e efeitos visuais. No entanto, essas ressalvas não apagam o brilho da marcante e épica experiência que tive com o jogo, cujas qualidades superam esses pontos negativos.
Mas afinal, Metaphor: ReFantazio é tudo isso mesmo?
Metaphor: ReFantazio não hesita em herdar os conceitos de seu irmão mais velho, Persona, e evoluí-los e expandi-los. A mais nova obra de Katsura Hashino é uma evolução do aprendizado acumulado ao longo de suas obras anteriores de alta qualidade. Comparo este evento ao que Elden Ring significou para os títulos que lhe antecederam.
Metaphor: ReFantazio é o culminar de tudo que a Atlus realizou ao longo de seus 35 anos, o “Magnum Opus”, elevando a narrativa, o combate e o visual. Se eu pudesse resumir em uma palavra o que o mais novo RPG da Atlus representa, essa palavra seria amadurecimento. Um amadurecimento que resulta na entrega da obra definitiva da Atlus, tornando-se um novo pilar dentro do estúdio e digno de estar na prateleira de seus RPGs.
Katsura Hashino, agora com sua equipe e estúdio, entrega, 7 anos depois, mais um nome fortíssimo na corrida pelo título de “Game of the Year”.
VEREDITO: Metaphor: ReFantazio não hesita em herdar os conceitos de seu irmão mais velho, Persona, e evoluí-los e expandi-los. A mais nova obra de Katsura Hashino é uma evolução do aprendizado acumulado ao longo de suas obras anteriores de alta qualidade. Comparo este evento ao que Elden Ring significou para os títulos que lhe antecederam. Metaphor: ReFantazio é o culminar de tudo que a Atlus realizou ao longo de seus 35 anos, o "Magnum Opus", elevando a narrativa, o combate e o visual. Se eu pudesse resumir em uma palavra o que o mais novo RPG da Atlus representa, essa palavra seria amadurecimento. Um amadurecimento que resulta na entrega da obra definitiva da Atlus, tornando-se um novo pilar dentro do estúdio e digno de estar na prateleira de seus RPGs. Katsura Hashino, agora com sua equipe e estúdio, entrega, 7 anos depois, mais um nome fortíssimo na corrida pelo título de “Game of the Year”. – Jão