Dificilmente vemos jogos abordando tons investigativos, especialmente se inspirando no gênero noir. Em 2011, a Rockstar apostou nesse gênero com L.A. Noire, trazendo à luz o charme dos filmes da década de 1940 e 1950. Dito isso, e se tivéssemos uma visão futurista do noir (ou neo-noir) em uma Nova York de 2329, onde a imortalidade não é mais uma utopia filosófica, mas sim uma realidade?
Nobody Wants to Die, lançado em 17 de julho de 2024 para PS5, Xbox Series e PC, nos leva a uma Nova York onde a imortalidade é um sucesso, enquanto crimes em série assolam a elite. Este título Cyberpunk, desenvolvido pela recém-chegada Critical Hit Games e publicado pela Plaion, é uma homenagem ao gênero noir raramente explorado nos games, com uma narrativa profunda e personagens cativantes.
Descubra o Assassino


No controle de James Karra, um detetive em conflito com seu passado, você embarca em uma missão para desvendar uma série de assassinatos na alta elite de Nova York. Contudo, nessa última missão, James não estará sozinho; ele será auxiliado remotamente por Sara, uma parceira que compartilha sua experiência de campo. A química entre James, uma figura carrancuda, e Sara, uma perfeccionista que segue regras, resulta em diálogos hilários e trocas de conhecimento, lembrando uma versão neo-noir de Sherlock Holmes e Watson.
Conforme James e Sara avançam na investigação, o elo entre os personagens se fortalece, criando camadas complexas tanto na trama quanto na origem dos crimes.
Todo este mundo futurista traz consigo reflexões que o jogo fará o jogador se questionar constantemente. Quem o matou? Foi suicídio? Vale a pena a imortalidade?
O Preço da Imortalidade


Em 2329, a imortalidade se tornou um direito dos cidadãos de Nova York, similar aos “cascos” da obra literária “Altered Carbon”. No entanto, a alta elite decidiu transformar a imortalidade em um clube exclusivo, leiloando os cascos.
Toda essa ideia de mortalidade e todas as reflexões filosóficas são elementos que nosso protagonista vivencia. Afinal, James Karra, com 120 anos, enfrenta problemas de dessincronização entre seu casco e suas memórias passadas, refletindo sobre o preço de viver para sempre e as feridas do passado enquanto soluciona assassinatos em Nova York.
Toda esta aventura investigativa é um frescor ao gênero Cyberpunk, que recentemente recebeu uma adaptação pela CD Projekt Red. Mas, neste caso, é diferente. Nobody Wants to Die dá ao Cyberpunk o charme da estética noir fazendo de sua aventura uma apoteose noir futurista com seus dilemas, reflexões e uma estética marcante.
O futuro que não se desprende do passado


Os minutos iniciais de Nobody Wants to Die são de tirar o fôlego. Ver uma Nova York entregue às tecnologias, mas que ao mesmo tempo não se desprende do passado, é um contraste marcante. Confesso que a introdução da Nova York de 2329, com sua Times Square repleta de hologramas, prédios neo e carros voadores, me remeteu imediatamente a obras como Blade Runner (1982) e aos minutos iniciais de Bioshock (2009), quando somos apresentados a Rapture.
Nobody Wants to Die é um jogo story-driven com grande foco narrativo, mas que soube dar profundidade e expansão graças ao seu ambiente charmoso. É impossível não se encantar ao ver o alto contraste de uma Nova York futurista que faz questão de enaltecer a temática vintage, com chuva constante e elementos das décadas de 40 e 50, como os carros voadores de design antigo.
Se não fosse por essa combinação, Nobody Wants to Die seria apenas mais um jogo Cyberpunk que ficaria na sombra de Cyberpunk 2077. Com o uso da Unreal Engine 5, toda essa ideia retrofuturista ganhou vida, oferecendo uma visão muito bem detalhada do futuro que a Nova York de 2329 apresenta.


Minha experiência aconteceu no PS5, cujos modos gráficos ofereciam uma escolha entre Fidelidade (4K/30fps) e Desempenho (60fps). Em poucos momentos tive quedas de FPS, algo louvável considerando os muitos efeitos visuais proporcionados pela mecânica de gameplay de manipular o tempo.
Outro fator importante na ambientação e na imersão desta temática é a trilha sonora, que não se envergonha de dar vida aos clássicos do gênero noir com um jazz apaixonante. No final do dia, é impossível não se apegar a toda esta ambientação futurista, vintage e ao jazz. A Critical Hit Games acertou em cheio ao criar esse misto cultural em um clássico conto de detetive.
O tempo revela tudo!


Deixando a história e o visual marcante de lado, Nobody Wants to Die dá ao jogador o poder de manipular o tempo na pele de James Karra para descobrir pistas sobre os assassinatos. Utilizando uma manopla no braço esquerdo, James pode retroceder e avançar no tempo. Tal mecânica é similar à usada na campanha de Conor em Detroit: Become Human. Com a manopla em ação, o jogador reconstrói a cena do crime, retrocedendo e avançando no tempo, enquanto uma aura amarela indica onde as pistas estão localizadas. Além disso, James dispõe de outras ferramentas, como visão de raio-x e ultravioleta.
Após sair da área do crime, James e Sara juntam todas as pistas colhidas na cena e concluem o caso. Nesta dinâmica, o jogador deve combinar as pistas de maneira que não haja pontas soltas sobre o crime.
Durante essa combinação de objetos de dúvida com os fatos colhidos, surgem mais questionamentos, e o jogador continua respondendo a esses questionamentos com as provas restantes até sanar qualquer dúvida sobre o caso. Após juntar todas as peças, o caso é concluído.
Embora essa mecânica seja interessante e traga coerência ao tom investigativo do jogo, eu não me senti na pele de um detetive, mas sim de um telespectador, assim como Sara, que via tudo o que James fazia através de uma câmera. Com exceção do quadro de provas, onde o jogador deve juntar o objeto de dúvida com as provas corretas para concluir o caso, o modo de investigação não me deu autonomia sobre o que explorar e investigar.
Entendo que o cerne da experiência do jogo é algo para ser contemplado sob a perspectiva de James. Porém, em L.A. Noire, o jogador conseguia se sentir mais como um detetive, mesmo controlando um personagem, sem precisar ser o próprio protagonista.
De todo modo, essa ressalva não ofuscou a marcante experiência que tive com o jogo, com sua narrativa intrigante, gameplay que me fez refletir sempre que possível, além de um visual autêntico e cativante.
Mas afinal, Nobody Wants to Die é tudo isso mesmo?
Embora futurista, Nobody Wants to Die é a essência pura da temática “noir” com seus clássicos filmes de detetives. Com uma narrativa rica em conhecimento e reflexões, James e Sara roubam a cena com seu carisma, enquanto uma Nova York que abraçou a imortalidade respira fumaça e chuva intensas.
Seu visual marcante é o ápice desta combinação de futuro e passado, enquanto o jogador se diverte montando a cena do crime, manipulando o tempo e juntando todas as peças para concluir o caso.
Nobody Wants to Die é eficiente em sua proposta, com uma duração que beira no máximo 5 horas. Sem dúvidas, é uma ótima pedida para quem curte jogos de curta duração. E, neste caso, serão poucas horas de muita imersão.
VEREDITO: Embora na maioria das vezes nos levando nos braços e me fazendo sentir mais na pele de um telespectador do que de um detetive, Nobody Wants to Die é eficiente em sua proposta como narrativa que traz todos os trejeitos da temática "noir" entregando, assim, um visual marcante. – João Antônio