A mentira é uma das habilidades humanas que pode colocar alguém em situações complicadas e, ao mesmo tempo, livrar essa pessoa de outras. No entanto, imagine o dilema de estar em uma situação em que você é um títere, um boneco mecânico, e não mentir é uma das suas características, mas você precisa mentir para salvar uma cidade de uma rebelião de inimigos. É exatamente esse dilema que o jogo “Lies of P” coloca o jogador em uma versão totalmente alternativa do famoso conto de Carlo Collodi, “Pinóquio”, de 1883.
O jogo estreou em 19 de setembro de 2023 no Game Pass, PS5/PS4 e PC, e além de sua narrativa cativante e criativa, sua jogabilidade é uma das suas maiores virtudes.
Já adianto: a passagem de Pinóquio nos games tornou-se digna de suceder o belo trabalho que Bloodborne fez aos videogames.
A mentira para o bem
Desde o seu anúncio, muitos questionaram como a mentira seria incorporada na trama de “Lies of P.” Para quem não está familiarizado com o conto clássico, Pinóquio é um brinquedo de madeira criado por Gepeto, e toda vez que ele mente, seu nariz cresce.
No entanto, em “Lies of P”, Pinóquio é um boneco criado por Gepeto e ganha vida graças a uma essência chamada Ergo. Ao acordar em um vagão de trem, P se depara com a cidade de Krat, que é totalmente dominada por máquinas que aniquilaram brutalmente todos os humanos presentes. Sem entender o que está acontecendo, P embarca em uma jornada para encontrar Gepeto e descobre que as criações do mesmo se rebelaram. Agora, cabe a P a missão de conter essa rebelião.
Lies of P contará com um total de três finais diferentes
No entanto, para cumprir o desejo de seu criador, P deve tomar decisões difíceis para se infiltrar entre a resistência que luta para deter essa rebelião. É nesse contexto que a questão da “mentira” se torna crucial em “Lies of P.” Os títeres não mentem, mas será que P deixará de ser um se mentir?
Semelhante aos Souls-like da FromSoft, Lies of P oferece uma narrativa misteriosa e pouco expositiva, onde partes deste universo estão contidos em documentos pelo cenário. A mitologia por trás desta visão trágica do clássico conto de Carlos Collodi é instigante e curiosa.
Além deste plano central, há o elenco secundário protagonizado pelos NPCs que trazem toda uma partitura intrigante e relevante para este enredo envolto de mistério. A ambientação do jogo também é notável, com as ruas de Krat complementando bem o tom sombrio da narrativa, transmitindo uma sensação de insegurança ao jogador. Essa abordagem gótica e devastadora lembra outros títulos como “Bloodborne” e “Steelrising”, sendo que este último aborda a mesma temática de máquinas.
Além disso,”Lies of P” oferece alternativas locais que recompensam os jogadores pela exploração, além de missões secundárias bem desenvolvidas que, de maneira indireta, expandem a trama do jogo.
Pinóquio e suas bugigangas
O combate de Lies of P é seu grande charme. Os fãs de Bloodborne estarão muito bem servidos com um combate idêntico ao título da FromSoft de 2015, com esquivas e sem o “rolamento”, mas também com um grande acervo de armas e combinações.
Aqui, você pode combinar armas com lâminas e punhos diferentes que renderão estilos distintos durante o combate. Estas combinações podem ser feitas a qualquer momento durante o jogo. Ademais, essas inúmeras bugigangas ganham mais camadas com a possibilidade do upgrade que estão relacionados a alguns de seus atributos.
O Tango mortal
Ao escolher o “parry” como o caminho para a glória no combate, “Lies of P” te desafia a ser preciso com o “parry” ou ágil para se recuperar após levar um golpe e, em seguida, contra-atacar o inimigo. Nisso, o timing do “parry” pode ser complicado, e a esquiva não oferece um frame de invencibilidade. Assim, essa combinação pode afetar sua experiência durante as batalhas contra chefes, que, embora frustrantes em alguns momentos, não prejudicam o conjunto do jogo, mas é uma ressalva válida.
Em suma, Lies of P é detentor de excelentes boss fights regidas por uma trilha sonora épica onde sua perícia e paciência são colocadas a prova. O jogo é desafiador e digno de representar o gênero “Souls-like”.
Lies of P é o sucessor de Bloodborne?
Se você é um viúvo (a) de Bloodborne, Lies of P trouxe todos os trejeitos que fizeram nos apaixonar por este Souls-like de 2015. Seja sua temática gótica ou o estilo de combate, é nítido a influência de um dos melhores jogos já feitos pela FromSoft.
A Neowiz captou bem a ideia do gênero e isso é visto em toda a estrutura do level design do título. Embora eu não concorde com um dos cenários do game, o que LoP entrega é algo genuíno da popular fórmula e, quem for fã, vai amar o que estará à sua volta.
Entendendo os atributos e habilidades
Como todo Souls, há atributos para se evoluir e que receberam uma adaptação para a temática industrial. Essa criatividade em globalizar o tema em todos os segmentos presentes no jogo é o que torna o título único mediante suas inspirações. Por exemplo: se você quer evoluir força, aqui vem com o nome Motricidade.
Diferente das fogueiras ou dos pontos de graça, em LoP temos o Stargazer que, infelizmente, não possui a opção de subir de nível. Adotando uma espécie de Mesa Redonda, de Elden Ring, e o Nexo, de Demon Souls, aqui temos o Hotel onde alguns dos NPCs ficam hospedados, inclusive Gepeto.
Nesta Safe House, você será capaz de subir de nível, evoluir sua arma e afins. A impossibilidade de subir de nível no Stargazer foi uma decisão que, na minha opinião, quebra muito da praticidade de um Souls-like. Ao ativar o Stargazer, você só poderá acessar seu depósito, montar armas, mudar seu braço mecânico e fazer viagem rápida para outros Stargazer ou para o hotel.
Além deste espectro característico do Souls-like, temos os Órgãos P, uma espécie de árvore de habilidades que concede a Pinóquio diversas vantagens. Com um total de 5 fases, cada uma oferecerá vantagens que você pode desbloquear por meio de um item específico. Embora interessante, essas vantagens na prática não influenciam em nada durante o combate e nas lutas contra chefes.
Em resumo, embora com ressalvas, “Lies of P” captou a essência do gênero Souls-like e entregou uma experiência digna e que saciará os fãs sedentos por uma sequência de Bloodborne.
Uma otimização de dar orgulho
Não posso deixar de mencionar o belíssimo trabalho na otimização de Lies of P. Com uma RTX 3060 Ti da Nvidia, joguei com todas as configurações no máximo e em 4K com uma taxa de quadros constantes e estáveis em 60 FPS.
Nos dias de hoje, onde a versão de PC é rotineiramente repleta de jogos mal otimizados, Lies of P lava a alma dos donos de PC com uma apresentação técnica impecável que serve de conscientização para os estúdios quando forem otimizar versões para PC de seus títulos.
Embora com alguns delays de renderização, a experiência completa de LoP é uma delícia de tão bem otimizada.
Mas afinal, Lies of P é tudo isso mesmo?
Em suma, “Lies of P” não nega sua grande inspiração em “Bloodborne”. No entanto, ele apresenta de maneira criativa e com uma identidade própria um universo intrigante e ambicioso. Seu sistema de combate é seu grande atrativo, acompanhado por um design envolvente em seu mundo desolado e hostil, além de criaturas e seres bizarros que cativam o jogador.
Portanto, Pinóquio, em sua versão títere, pode até ser capaz de mentir, mas não mente ao se posicionar como um verdadeiro sucessor de “Bloodborne” e um excelente representante do gênero “Souls-like”.
